Sarah Pinborough está rapidamente se juntando ao clube de autores cujo trabalho desafia a fácil categorização. Embora tenha iniciado sua carreira como autora de livros de terror, escreveu textos de ficção científica – que incluem dois romances da série Torchwood, ambos bem recebidos pela crítica -, o romance policial histórico Mayhem (Mutilação), publicado pela Jo Fletcher Books, um selo da Quercus Books, um roteiro para o seriado da BBC, New Tricks (Novos Truques) e mais recentemente uma trilogia da editora Gollancz, que reconta contos de fadas – às vezes de maneira um pouco perturbadora. Paul Simpson se encontrou com a autora em meados de março para uma entrevista:
Como se originaram essas três obras: Veneno (Única, 2013), Feitiço (Única,
2013) e Poder (Única, 2014)?
Eu diria que foi mais uma questão social que propriamente de trabalho. Quando Once Upon a Time estava passando na TV, Gillian Redfeam, minha editora na Gollancz, estava assistindo e, o incidentemente, eu também estava assistindo. Sei que parece sexista, mas em geral eu não costumo assistir programas para garotas – e esse parecia ser exatamente isso. Todos que o apreciavam eram mulheres; os homens não pareciam tomar conhecimento dessa série. Gillian e eu adorávamos e costumávamos trocar mensagens sobre ele.
Um dia nós estávamos almoçando e ela perguntou: “Como você se sentiria sobre a ideia de recontar alguns contos de fadas?”, e eu disse “Bem, eu nunca havia pensado nisso, mas, sendo uma escritora profissional... Eu posso...”
Os representantes da editora se envolveram em negociações bastante acalora das com a minha agente - que, aliás, foi bem dura com eles. Deus a abençoe, pelos três livros. Devo dizer que durante todo o tempo em que eles conversaram eu estava em pânico. Ficava pensando que não sabia exatamente o que iria fazer, tampouco se seria capaz de fazê-lo. Foi então que a reviravolta final para a história Veneno surgiu em minha mente e, de repente, compreendi como faria para interligar as três histórias.
São três livros autônomos, mas, ao mesmo tempo, eles formam um círculo. Desse modo, independentemente de onde você começar, cada história estará completa.
Então todas as histórias acontecem simultaneamente?
Não. Veneno é a história do meio. A história de Feitiço nos leva à história de Veneno, que, por sua vez, nos transporta até o livro Poder. Então, embora os protagonistas sejam diferentes em cada livro, todos os demais per sonagens aparecem nas três histórias. Eu planejei de tal modo que onde quer que o leitor começasse, seria possível estabelecer diferentes níveis de simpatia pelos personagens - você teria mais simpatia por determinado personagem se começasse pelo livro dois, mas isso não afetaria sua leitura nos outros livros. Nesse aspecto o trabalho foi bem delicado. Fiquei muito satisfeita com o
resultado final.
Então, podemos presumir que você planejou toda a trilogia antes mesmo de começar?
Obviamente tive de preparar um esboço das três histórias para mostrar à editora o que eu estava planejando, mas devo dizer que o conteúdo do terceiro livro foi levemente alterado, uma vez que alguns detalhes tiveram de ser ajustados nos dois primeiros à medida em que eu os escrevia. Por sorte, pelo fato de os três livros serem lançados em datas tão próximas, consegui fazer as alterações necessárias nos dois primeiros livros enquanto ainda escrevia o terceiro. Em geral, isso é impossível em uma trilogia – nas outras trilogias que escrevi eu dizia a mim mesma: “Oh, meu Deus, agora eu me coloquei em uma enrascada...”
Por que se decidiu primeiramente por Veneno?
Foi o primeiro para o qual tive uma boa ideia. De fato, somente quando já estava planejando o segundo e o terceiro livros eu imaginei que eles poderiam funcionar dessa maneira. Embora seja a história do meio, Veneno é o começo natural da narrativa. Eu queria me dedicar a contos de fadas
que todos conhecessem, e Branca de Neve é um dos mais famosos; eu não queria algo que fosse demasiadamente obscuro. Não haveria graça em fazê-lo.
Então funciona mais ou menos como Into the Woods (Na Floresta), pois toda a plateia já onhece as histórias e consegue visualizar o que Sondheim está fazendo com elas.
Exatamente.
Você escreveu personagens bem atuais em histórias que tradicionalmente acontecem em ambientes medievais. Essa dicotomia lhe causou problemas?
A primeira, sim. Demorou um pouco até que eu pegasse o jeito. Fiquei bastante nervosa quando entreguei o trabalho. Pensei: “Meu Deus, há um grande contraste entre os personagens modernos e o mundo dos contos de fadas”. Contudo, ao mesmo tempo eu acreditava que aquele seria o único jeito de escrever sobre o tema para os leitores de hoje. As mulheres dos contos de fadas tradicionais são muito doces e previsíveis: elas vestem belos vestidos, ficam presas em algum lugar, o príncipe as salva ou elas se casam e então têm um bebê... Não há muita ação nos contos de fadas!
Espero que os homens também gostem dos livros, mas confesso que escrevi prioritariamente para o público feminino, o que é muito incomum para mim: a maior parte do meu material é um tanto obscuro e tenho muitos personagens do sexo masculino. Foi muito interessante para mim me colocar
dentro dessas perspectivas femininas.
Acho que para nos conectarmos a essas mulheres é preciso que elas tenham motivações reais. Foi complicado tentar manter um equilíbrio, mas eu tentei abordar esse trabalho como se eu estivesse escrevendo um romance de fantasia, ao estilo conto de fadas.
Entretanto, fortalecer os personagens femininos é quase como ir contra o próprio tema da história. Sem correr o risco de revelar a reviravolta em Veneno, pode-se dizer que Branca de Neve assume bem mais o controle da situação, tanto no que diz respeito à madrasta como ao seu relacionamento sexual com o príncipe.
Minha editora gargalhou com um trecho da história – ela o considerou perfeito, mas o trecho só a fez rir. Embora os três livros tenham cenas de cunho sexual, eu não queria que o sexo ali parecesse forçado na história; eu queria que ele dissesse algo sobre os personagens, sobre como eles são, esse tipo de coisa.
No início você quase se utiliza da tradicional técnica de “fechar a porta” nas cenas de sexo..., porém, mais adiante no livro você abre essa porta.
No caso dos dois livros seguintes, eu os escrevi até o final e então retornei e acrescentei o sexo. Nenhum autor gosta de escrever cenas de sexo: é muito difícil fazê-lo de modo convincente. Quem escreve tem medo de cometer erros. Mas, pelo fato de contar com alguns momentos do tipo “porta fechada”, ou com alusões ao ato sexual, imaginei que precisaria de algum tipo de compensação
para mantê-los verdadeiros. Isso também é importante para o que acontece depois das cenas de sexo...
Para mim, essa foi a parte mais moderna de tudo: você encontra uma pessoa séria e recatada, fecha a porta do quarto e então o que acontece não é de modo nenhum o que se esperava.
É, existe algo ali que se poderia chamar de dupla moral.
Onde estaríamos sem isso!
Exatamente.
Você disse que retornou às histórias e acrescentou as cenas de sexo, mas elas já eram partes essenciais dos roteiros?
Sim, eu diria que isso teve mais a ver como a minha perspectiva, pois pensei: “É melhor retornar a isso mais tarde. Gillian me pediu que inserisse algumas partes. Já no terceiro livro, ela me solicitou que abrandasse alguns trechos, então acabei me aprimorando nisso. Há uma cena de orgia em Poder que tive de mudar um pouco para suavizá-la.
Isso ocupou seu tempo ao longo de vários meses; no que mais você trabalhou?
Eu também entreguei o livro Mayhem (Mutilação), que foi publicado com o selo JoFletcher Books, da Quercus, e no momento estou trabalhando em Murder (Assassinato), o segundo da série. Tenho outro livro para escrever para a Gollancz, então outro para a Jo Fletcher e finalmente outro para a Gollancz... quero que todos se saiam bem nas lojas, mas sinto-me imensamente orgulhosa por Mayhem. Esse foi o trabalho mais difícil que já realizei, pois se trata de um crime histórico, que alterna pessoas reais e personagens fictícios. É minha visão sobre crimes não solucionados, então precisei pesquisar muito. Nesse sentido os contos de fadas representaram um grande alívio para esse tipo de trabalho pesado.
Você os escreveu simultaneamente?
Na verdade, enquanto fazia a edição de um eu já pesquisava para o outro. Obviamente, no caso dos contos de fadas, a edição foi contínua, pois eles foram lançados com diferença de apenas três meses um do outro. Não houve intervalo entre eles. Também tinha de reescrever um filme, que estava esperando por mim! Além disso, tenho colaborado com F. Paul Wilson em um projeto um tanto apocalíptico. Por sorte ele se mostrou muito compreensivo quando tive de colocar esse trabalho em espera quando outras coisas surgiram em meu caminho. Trata-se de algo que realizamos por conta própria e que no início deveria ter cerca de 30 mil palavras, mas que já beira 60 mil. De fato, só decidiremos o que fazer com esse projeto quando o terminarmos.
Você está escrevendo algo para a TV?
Eu tenho um original em três partes, adquirido pela World Productions, responsável por Line of Duty e The Bletchley Circle. Eles estão trabalhando nisso agora. Talvez eu volte a trabalhar em New Tricks no ano que vem: acho que me saio melhor em trabalhos próprios que em textos de outras pessoas, mas é possível que eu colabore na próxima série.
No que se refere a roteiros de TV, embora o primeiro rascunho leve cerca de duas semanas apenas para ficar pronto, geralmente o processo como um todo representa cinco meses de trabalho intenso. Então, considerando meus compromissos em termos de livros, teria de avaliar cuidadosamente. A recompensa é boa, assim como a experiência, mas se eu tivesse feito isso com a série eu provavelmente teria enlouquecido.
Aquilo que você aprende ao escrever roteiros de filmes e séries de TV acrescenta alguma coisa ao seu trabalho na área de ficção, ou os processos são muito distintos?
Sinto que meus diálogos estão bem melhores nos livros que escrevi depois de trabalhar em filmes - eu diria que agora quando preparo um livro penso de modo um pouco diferente. Entretanto, são duas coisas bem distintas a maneira como se monta uma história nas duas linguagens é muito diferente. No caso das telas, tenho de trabalhar com muito mais afinco, pois isso é muito mais novo para mim que escrever livros. Eu conheço meus hábitos e sei em que partes consigo escrever mais rápido e em que pedaços tenho mais dificuldade.
O processo de escrever roteiros de filmes é bem mais colaborativo: um número bem maior de pessoas pode participar, dar sugestões e optar. No caso do livro, o texto é seu. Talvez seu editor lhe peça para fazer algumas alterações, mas ainda assim é aquilo que você imaginou desde o início. No caso de roteiros e scripts há produtores, diretores, atores... cada um deles sugere mudanças. Acredito que seja pelo fato de muito dinheiro estar em jogo. Isso provavelmente me ajudou a aceitar melhor as críticas!
Alguns autores parecem acreditar que ao escreverem textos de fantasia e horror eles podem se utilizar de diálogos que não sejam “normais”, mas, em geral, quando eles são escritos de maneira mais normal eu os considero mais eficientes...
Quando escrevi The Hidden (O escondido) para a Leisure, eles não costumavam preparar os textos. Eu entregava o material e eles mudavam “tinha” por “havia” e isso era tudo. Não havia preparação ou edição propriamente dita. Eu só recebia as provas, mas não havia uma curva de aprendizagem no processo. Trabalhando com Jo Fletcher e Gillian Redfeam, aprendi muito. Meu filme se baseia no livro The Hidden, então tive de retornar ao texto e examiná-lo novamente. Hoje eu releio os diálogos e penso: “Jesus Cristo, o que eu estava pensando?”. Acredito que o diálogo seja a parte mais complicada para os romancistas, pois eles podem parecer um pouco forçados, particularmente em textos históricos ou de fantasia. Ele pode acabar com frases do tipo “vossa senhoria” e coisas assim. Quando eu era professora e ensinava as crianças a escreverem histórias, elas com frequência vitavam diálogos porque era muito difícil usá-los com naturalidade.
Você diria que tem sido uma escritora de ficção científica?
Eu diria que The Dog-Faced Gods (Os deuses com aparência de cães) é uma obra de ficção científica. The Chosen Seed (A semente escolhida) definitivamente é um livro de ficção científica - ou pelo menos era isso que eu tinha em mente. Não sei como as pessoas o veem, mas para mim é isso. Jamais
pensei nele como horror. Eu o vejo como crime e ficção científica. Nunca considerei a questão das moscas particularmente perturbadora, mas acho que pelo fato de eu ter escrito seis livros de horror antes desse, as pessoas acabaram achando que esse livro também se inseria nesse estilo. Se tivesse sido escrito por um novo autor, não acho que seria considerado como horror. Acho que é crime com uma pitada de fantasia, ou algo assim. Na época, as pessoas me conheciam como autora de livros de horror, então foi fácil categorizá-lo dessa maneira. Sei que irritei algumas pessoas. Não me considero mais uma autora de livros de horror. Não escrevo histórias unicamente de horror. Acho que escrevo textos com elementos obscuros. Tenho certa tendência a escrever sobre o lado obscuro da vida... você
nunca adivinharia isso!... Todavia, nunca escrevo sobre demônios ou fantasmas. Mayhem, sem dúvida, apresenta alguns momentos bastante sombrios e há um lado sobrenatural, mas a editora o divulgou como crime histórico e, inclusive, participei de painéis de discussão no Harrogate Crime
Festival (Festival de Crimes da Harrogate). Um problema que tenho em minha carreira - e de que gosto bastante é o fato de não escrever sobre um tema específico. Tenho três contos de fadas e um livro de cunho histórico sobre crime! Ah, se eu pudesse pensar em uma série brilhante sobre crimes...
Fonte.
Espero que tenham curtido galerinha, até a próxima!
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