quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Conto de Terror Natalino: A Boneca Maldita - Giuliana Sperandio



Olá, tudo bem por aí?

Então, hoje o dia está mais sombrio... É dia de conto natalino. o.o
Conto natalino com toque de terror. 
Um conto escrito especialmente para esse especial de natal pela nossa autora e blogueira Giuliana Sperandio. Se você gosta de um conto maquiavélico, siga a leitura por sua conta e risco! ;-)

Com vocês: A Boneca Maldita!

A Boneca Maldita!


Véspera de Natal...

Era mais um final de dia em que Marcos Paulo voltava para a sua família com as mãos vazias. Sentia-se incompetente e impotente por continuarem naquela situação. Era mais um dia sem emprego, mais um Natal onde eles não teriam ceia, presentes e sorrisos. Ele andava a pé, essa era uma de suas artimanhas para economizar os trocados para o pão do dia seguinte. Sem emprego e com três bocas para alimentar, não podia se dar ao luxo de pegar ônibus, mesmo que seus pés doessem pelo seu sapato gasto e apertado que machucava os calos de outras tentativas vãs de procura por trabalho.

Marcos pagava caro pelos erros de uma juventude pobre e desregrada. Furtara para poder dar o que comer aos seus oito irmãos, sua mãe era mãe solteira e ele nem chegara a conhecer seu pai de verdade. Tal como seus irmãos, ele era filho do trabalho da sua mãe... Tereza tinha sido uma prostituta que nunca se cuidava. A única família que aquelas crianças possuíam era ele. Marcos os sustentava com o que podia dar através dos furtos. Sua mãe há muito definhava em uma cama, pois assim como engravidou oito vezes por descuido, em uma delas contraiu AIDS. Não se sabe por quais milagres, mas nenhum deles havia contraído o vírus maldito.

Um dia quando estava em um mercado no bairro furtando mais um quilo de arroz para pôr comida na mesa, acabou sendo descoberto e capturado. Ele já tinha dezoito anos então foi preso e fichado. Hoje pagava pelos erros e por ter tentado juntar os cacos de uma família que nunca existiu. Sua mãe morreu enquanto esteve na cadeia e seus irmãos foram distribuídos em casas de adoções. Marcos desistiu de procurá-los quando casou e começou a sua própria família. Ele usava como “desculpa” que eles já deviam estar grandes, alguns, pensava, deveriam até terem sido adotados por gente boa que pudesse dar uma vida digna e justa a ele. Ao menos era o que ele esperava quando enterrou o passado.

Ele olhou ao seu redor e imaginou quantas famílias iriam ver seus filhos de barriga cheia e com sorrisos nos rostos por terem recebido a visita do papai Noel. As esposas nessas casas com certeza não teriam marcas de calos nas mãos por lavar roupas para fora e passar as madrugadas passando roupas de outras famílias; elas estariam sorrindo, vestindo uma roupa bonita e com cheiro de açúcar e canela das rabanadas que as crianças e adultos elogiariam na ceia.
Em meio a estes pensamentos, como que o céu chorasse com ele pelas derrotas de seu dia, começou a cair uma fina e fria garoa sobre a sua cabeça. Marcos imaginava que os olhares das suas duas filhas e da esposa seriam um misto de pena e desalento. Ele odiava carregar o fardo de ser um inútil.

Ao longo do caminho uma caixa ainda com o laço chamou a sua atenção. A curiosidade e esperança fizeram moradia em seu coração. Ele olhou para ambos os lados para ver se alguma criança tinha perdido aquela boneca, mas não encontrou nada. Não havia ninguém exceto ele mesmo na rua. As pessoas já deviam estar desfrutando de suas famílias em seus lares. Marcos encarou a embalagem que parecia quase intacta, o lacre rompido, mas a boneca inteira, como nova. Era um milagre de natal, ele sorriu pela primeira vez naquele dia. Talvez a ceia fosse simples, somente com um frango, umas poucas frutas e um panetone doado, mas teria em seu natal o presente mais precioso para um pai: o sorriso no rosto de suas meninas. Elas mereciam aquela alegria. Fitou a boneca de cabelos pretos longos, um vestido branco de renda, o olhar marcante e um sorriso que parecia um convite à esperança. Ele sorriu e falou baixinho para ninguém em especial: – Obrigado!

Ao longe, na mesma rua escondido nas sombras, um homem observava aquela cena com o coração esperançoso. A possibilidade do que poderia acontecer através da atitude do desconhecido era ao mesmo tempo incrível e assustadora. Tentou não pensar no infortúnio, afinal, tudo se justifica pelo amor desmedido de um pai, não é mesmo? Afastou o peso da consciência e pediu um perdão silencioso, aquilo deveria bastar. O seu desejo era egoísta, mas movido por amor e as conseqüências jamais foram pesadas e pensadas sensatamente.

Marcos parecia nem mais sentir dor em seus pés. Seus passos ficaram mais ansiosos para chegar em casa. Talvez achar aquela boneca fosse apenas um aviso de Deus de que os dias que estavam por vir seriam melhores. Ele merecia e sua família também. Chegou à escadaria velha que levava para cima do morro onde sua pequena casa de três cômodos ficava e subiu cada degrau movido à promessa de felicidade de suas filhas. Avistou a fachada de seu cantinho, seu lar, pintada de um azul que já fora outrora vivo, e agora era pálido e descascado. As janelas estavam abertas e nela havia um pequeno vaso com violetas Se ele apurasse bem os seus ouvidos conseguiria ouvir os risos de Sarah e Lara brincando, suas pequenas alegrias. Passou pelo capacho velho que estava escrito “Aqui Mora Uma Família Feliz”. Aquela frase era verdadeira, apesar dos pesares. Eles se amavam e era o que mantinha a felicidade mesmo nas adversidades.

A porta estava aberta, a vila era de vizinhos que se cuidavam e não havia muito perigo. Talvez porque nada de valor eles possuíam para ser roubado, por isso não temiam nada. As meninas ouviram seus passos na casa e vieram correndo. Sarah e Lara traziam o brilho de suor na testa pelas brincadeiras e pelo calor, apesar da chuva o clima ainda estava quente. Sarah tinha oito anos e era magrinha, com cabelos sempre presos em tranças. Hoje trajava seu vestido branco com rendas, um dos poucos vestidos que não fora doado. Observando melhor, percebeu que até se parecia com o da boneca que ele havia encontrado e trazia escondido atrás de suas costas. Lara era mais rechonchudinha tinha seis anos, com sardas no nariz e mechas claras no cabelo, parecia uma bonequinha. Ele as amava com todo o seu coração, eram a luz de suas vidas. A mãe ouviu as meninas chamando pelo pai e saiu da pequena cozinha secando as mãos com um pano de pratos já desgastado.

Ela encarou o marido. Com um sinal ele indicou que não conseguira o emprego, e ela deixou cair os ombros, mas lhe ofereceu um sorriso de conforto e compreensão. Marta outrora já fora bonita, hoje aparentava mais que seu trinta e cinco anos, seus cabelos antes caídos às costas ondulados castanhos e viçosos, estavam agora pelos ombros e com muitos fios grisalhos. Não era gorda, mas também já não tinha as curvas de sua juventude. Marta parecia uma rosa que aos poucos secava e murchava, sobrando apenas a lembrança do perfume e os espinhos que a vida deixava pelo caminho. Contudo, Marcos a amava como nunca. Ela era sua fortaleza e seu amparo, talvez sem ela e as crianças, ele já tivesse desistido da vida.  Ele deu um beijo casto nos lábios da esposa e chamou as filhas em um abraço. As meninas notaram a caixa, que não era pequena atrás de suas costas, enquanto Marta arqueou a sobrancelha e ele avisou que depois explicaria.

Para as meninas inventou uma historia fantástica de que o papai Noel pessoalmente havia entregado a boneca para dar para Sarah e Lara. Elas ficaram eufóricas, batiam palminhas e davam pequenos gritinhos de alegria, enquanto desembrulhavam. O pai só tinha olhos para a felicidade nos olhos das filhas. Ele contou que, na verdade, aquela boneca não era só um brinquedo, era muito especial, uma boneca mágica, e que se as meninas prestassem bem atenção a ouviriam falando...
Mal sabia ele o quão aquilo estava perto da verdade...
Alguém na sala, com um sorriso inocente nos lábios, via uma oportunidade nefasta de conseguir voltar à vida através daquela família. A casa cheirava a comida fresca, as crianças brincavam com sua nova boneca e tudo parecia estar em seu devido lugar. O peso das incertezas do futuro aquela noite não cabia ali, este era um instante único em que só era bem vindo o presente.

A família desfrutou aquele dia de paz. À noite as crianças tiveram uma pequena briguinha pela posse da boneca. Os pais então fizeram um acerto de que a cada dia uma ficaria em posse dela. Como boas meninas que eram, acataram a ordem dos pais e foram dormir. Já no quarto, o pai explicou para a mulher o “milagre da boneca”. A princípio Marta ficou reticente, pois apesar de serem pobres e algumas vezes aceitarem doações de caridade, nunca havia catado nada do lixo. Seu orgulho jamais permitiu e trabalhava duro para não deixar faltar nada para as meninas. Contudo, a felicidade das meninas ganhou do orgulho e deixaram o assunto morrer vencidos pelo cansaço.


O Pacto...

O homem esperava pacientemente pela hora de ganhar sua tão esperada recompensa pelo pacto feito. A sua procura desesperada pela cura de Laís tinha acabado e a leucemia tomava de seus braços o maior tesouro de sua vida: sua única filha, tudo que lhe restava. Dia após dia ele a observava murchar e definhar em um hospital. Sua mulher não aguentara tamanha provação e tinha fugido sabe se Deus para onde. Agora Laís pouco a pouco ia o abandonando e um buraco negro ameaçava tragá-lo. Já havia pensando inúmeras formas de acabar com sua vida apos a partida da filha.

Um dia uma das enfermeiras com pena do sofrimento daquele pai devastado ofereceu um cartão com um número de um bruxo poderoso. Ela explicou que ele migrava almas e que talvez pudesse vir a salvar a alma de sua filha através de um pacto. Ela não soube explicar grande coisa, mas ele não tinha mais nada a perder, então ligou para o número no cartão.

Ao telefone uma voz grave atendeu, dizia se chamar Mestre Helius. O homem explicou que a enfermeira o havia indicado e ele ofereceu um horário de encontro para a consulta. No outro dia mal havia clareado o céu e o pai desesperado já saía para tentar encontrar com a última esperança. Mesmo que parecesse loucura, ele queria tentar manter sua filha ao seu lado. O local parecia um cenário de filme de terror de quinta categoria, era uma pequena construção branca descascando e muito velha ao fundo de um terreno grande onde talvez ocorressem os rituais. Os pêlos de seu corpo se eriçaram com a presença quase palpável de algo além da sua compreensão.

O homem que o recebeu era alto e robusto, negro como a noite, e trajava uma espécie de vestimenta branca com vários colares de contas coloridos. Ele abriu um sorriso amistoso, mandou que o homem o seguisse aos fundos, até uma porta que levava ao que parecia uma espécie de antessala. Ele olhou à sua volta. Ali tinha um pequeno altar onde se localizavam algumas pequenas estátuas desde o tão temido demônio que o encarava com olhar zombeteiro a outras entidades para ele desconhecidas. Nesse altar tinham também muitas velas coloridas diante das estátuas, potes com o que pareciam ser alimentos e até uma taça que lembrava sangue. Ele sentiu o aroma de velas e incenso em suas narinas e teve a vontade súbita de correr para longe, nada do que vinha dali parecia ser bom ou puro para ajudar a sua pequena Laís.

O bruxo ofereceu uma cadeira e o homem lhe contou toda a sua história e o seu medo de perder o único motivo de sua existência. Depois que concluiu sua narrativa, o bruxo se levantou e foi até um baú forrado com um manto escarlate. Tirou de dentro dele uma caixa do que parecia ser uma boneca. O homem ficou surpreso e aguardou impaciente a explicação de tal objeto, afinal, sua filha precisava de cura e não de um brinquedo idiota.
Helius o encarou muito seriamente enquanto desembrulhava a boneca. Esperou por uma resposta e explicação, pois tinha aberto seu coração e depositara suas últimas gotas de esperança. Estava quase perdendo a paciência. Helius fez um gesto para que voltasse a sentar. A pergunta a seguir foi...
– O que você estaria disposto a fazer pela sua filha? Você estaria pronto para matar ou morrer em troca da vida dela?

Apesar do susto inicial, ele nem titubeou ao responder que sim, que estaria disposto a vender a alma ao próprio diabo se fosse preciso para ter a sua pequena Laís saudável ao seu lado.

Sem mais perguntas o homem começou o ritual. Ofereceu três velas nas mãos do homem. A branca simbolizava a pureza em sacrifício, a vermelha simbolizava o demônio que receberia aquela oferta e a preta simbolizava a morte pela vida. Uma atmosfera gelada tomou o ambiente, o ar parecia denso. Uma presença oculta se fez presente, como se fosse uma testemunha invisível do acordo ali firmado. Uma breve reza foi feita, o homem teve que repetir algumas palavras que não tiveram sentido para ele:
Quaeso animum magistri anima sanguinern et me servum sempiternum , sine ulla dubitatione pro ministerio quo servitis. Pro operibus illius malignis.*

Foi lhe oferecido um punhal e em um movimento preciso um filete de sangue do homem foi tirado, e o bruxo sentenciou:
– O pacto está concretizado. Alma por alma, sangue por sangue. Assim realizada sua própria alma já não lhe pertencerá mais.

Natal...

Na manhã seguinte, o clima natalino era predominante na casa. A alegria das crianças contagiava o ambiente enquanto brincavam com a boneca. O velho som estava ligado com algumas músicas natalinas fazendo as meninas cantarem e dançarem com o presente ganhado. Era a alegria pura e infantil de, pela primeira vez, ter um brinquedo novo.

Na parte da tarde, após terem feito a refeição na mesa, as meninas pediram aos pais para brincar do lado de fora e mostrar as outras crianças à sua nova boneca. Foi Sarah quem fez o pedido e disse querer mostrar Laís para as suas amiguinhas. Nem Marcos nem Marta negaram tal pedido. Depois de poucos minutos eles escutaram as meninas entrando em casa, Lara chorando e Sarah atrás abraçava a boneca em uma atitude protetora. Os pais chamaram as meninas e perguntaram o que tinha acontecido. Sarah olhou ameaçadoramente para a irmã e os pais repararam na brusca mudança. Lara fitou os seus pequenos pés e secou com suas mãos as lágrimas que teimavam em cair. Por mais que os pais insistissem, nada foi explicado. Resolveram esquecer a questão, julgando ser uma coisa de crianças.

Ao cair da noite, contudo, as coisas começaram a fugir do controle quando Sarah e Lara foram para o quarto brincar. A menina mais nova estava assustada, então deitou em sua cama e abraçou um de seus velhos ursinhos. Ela apenas observava a irmã conversando com a boneca e agindo como se a mesma a respondesse. Pensou em contar para os seus pais, mas Sara a convenceu dizendo que iriam levar embora sua amiguinha Laís, e que se acontecesse à boneca seria culpa dela e jamais a perdoaria.

  As meninas adormeceram, assim como todos na casa. Na escuridão, dois olhos brilhavam com expectativa e maldade. Era chegada a hora, o vento trazia o clima gélido e pesado, aos poucos a casa era envolta por uma névoa maléfica de forças da escuridão.  Ouviam-se os uivos selvagens do vento, era quase uma linguagem satânica, uma cantiga evocando o mal. Sarah escutou a voz silenciosa que se conectava através da boneca com a sua pequena mente, abriu os olhos e se afastou da irmã, tirando os lençóis com cuidado para não acordá-la. Encarou a boneca com devoção e sem hesitar começou a cumprir as ordens.

  Sarah olhou em volta, as luzes antes apagadas davam leves osciladas, o vento cantava a cantiga cada vez mais alto. A menina mirou a janela da sala e ela se abriu com um estrondo. Todos ainda dormiam alheios ao que os cercava, estavam como que entorpecidos. Um baque, as janelas batiam, as flores esmeradamente postas na janela caíam. A névoa encobriu toda casa por dentro, a menina com seus leves passos andava calmamente descalça com sua camisola branca e rosa, suas tranças balançando ao vento. Abriu a primeira porta e ouviu um murmúrio, ordens, precisava segui-las...

Pegou a chave que estava por dentro da porta destrancada, olhou uma última vez para sua jovem mãe e seu adorado pai. As vozes a entorpeceram, ela não sentia, apenas obedecia à ordem no modo automático. Uma última espiada pela porta e ela a fechou, trancou por dentro e guardou a chave em um lugar fora de alcance. Continuou sua caminhada breve pela pequena casa, o destino era o seu pequeno quarto. Olhou para o canto, na diminuta cama sua irmã estava em posição fetal e dormia tranquilamente abraçada a um ursinho bem velho. Sentiu um breve aperto, segundos de consciência de que de algo estava errado, mas a força era maior. Repetiu o ritual e levou a chave ao bolso. A voz a guiou até a cozinha, suas mãos pequenas sentiram resistência em fazer o que era ordenada fazer, mas adquiriu através da presença a força necessária. Abriu a válvula do gás que ficava ao lado do fogão, caminhou até a sala e fechou as duas janelas.
Andou entorpecida, como quem flutua sonâmbula e com passos automáticos para o quintal, fechou a porta atrás de si. Chegou ao quintal, colocou as mãos nos bolsos e jogou as chaves longes, um sorriso diabólico no rosto enquanto na casa as luzes começaram a piscar...
Um estrondo...
Gritos...
Silêncio...
Sirenes...
Um clarão e uma voz firme que dizia...
– Calma, menina, vai ficar tudo bem! Uma ambulância, por favor, ela está em choque precisa ser levada ao pronto socorro!

A voz sem rosto afagava seus cabelos e a apertava enquanto os olhos abertos, mas sem brilho e sem vida de Sarah observavam o inferno queimando à sua frente. Ela não entendia como tudo acontecera, e nem o que fazia ali fora. Ouviu muitas vozes que gritavam e falavam ao mesmo tempo, então abraçou a escuridão com a boneca nos braços.

A menina abriu seus olhos lentamente. Estava em um hospital sozinha. Nem mesmo o seu amado pai estava ali. Ela parecia acordar de um pesadelo. Apesar de saber onde estava não sabia como ou porque estava ali. Era como ter passado dias inconsciente e apenas agora acordar. Tentou ver algum rosto conhecido por trás do vidro da porta que a separava do mundo externo. Colocou as mãos em seus cabelos e sentiu uma estranheza, passou-as pelo rosto, cada vez mais confusa. Tudo estava ali, mas não parecia certo, não parecia seu. Ouviu vozes vindo de fora, fechou os olhos e fingiu dormir. As vozes eram femininas, aproximaram-se dele e ela sentiu um toque suave em sua testa.
– A febre parece ter cedido. Pobrezinha, depois de tudo que passou só pode estar emocionalmente abalada.
Outra voz feminina se fez ouvir.
– Também pudera! A pobre menina viu toda família praticamente virar cinza.  Deus tenha misericórdia, que tragédia!
– Pior, Lourdes, que ela está sozinha no mundo. Vai acabar em um orfanato e com essa idade a pobrezinha terá pouca chance de ser adotada.
 A voz transmitia compaixão, a menina sentiu. Tentou juntar as informações para lembrar-se de alguma coisa, mas nada vinha à mente cansada. Abraçou o sono e fez dele seu aliado e consolo momentâneo.

Recomeço...

Dias se passaram e a menina foi enviada para um local onde crianças tuteladas pelo estado ficavam. Ela preferiu se afastar das outras meninas, não conversava com ninguém e sua única companheira era a boneca. Um dia uma das professoras tentou tirar a boneca para ver a sua reação e a garota deu um grito tão horrendo que a ordem expressa era para deixá-la em paz.

Tentaram psicóloga, terapeuta e conselheira tutelar que tentassem fazer a menina confrontar a dor e seguir em frente, mas nada fazia efeito. Trancou-se em um mundo onde só existia ela e a sua boneca, raras vezes falava alguma coisa, nunca chorava ou perguntava pela família. Era como se ninguém mais existisse ou importasse.

Em um dia nublado a menina pegou a boneca e foi até o quintal observar as visitas que chegavam para ver seus companheiros de moradia. Alguns participavam destes passeios e não voltavam mais para dentro dos muros frios e impotentes do abrigo. Ela sabia que eles tinham encontrado um lar. Fitou as folhas no chão, em sua memória vinham fragmentos de um passado que parecia longínquo e respirou fundo. O velho abrigo possuía muros médios de tijolos vermelhos, o portão de ferro era única maneira de vislumbrar o mundo fora dali.

Ela abraçou com força a boneca junto ao corpo e caminhou até a grande árvore que ficava próxima a entrada, porém longe o bastante para que a deixassem em paz. Lá tinha um balanço onde gostava de ficar perdida em seus pensamentos, muitas perguntas rondavam sua pequena cabeça, mas a principal era: “Porque meu pai me abandonou?”
Sentia-se perdida, sozinha e traída. Ele jurou fazer tudo e qualquer coisa por ela. Abaixou a cabeça e deixou as lágrimas quentes banharem seu pequeno rosto quando ouviu um farfalhar de folhas. Olhou assustada para trás, seu coração dando um salto quando o reconheceu. Ele estava ali, com um sorriso no rosto e uma caixa nas mãos. Era o seu pai, o homem que quando ficara doente disse que iria salvá-la custe o que custasse. Correu em disparada, abraçou o homem e bem baixinho disse:

– Sarah, agora podemos ir para casa, o papai chegou...

A boneca tinha um olhar perdido, não exibia o sorriso que todos os brinquedos parecidos tinham quase por obrigação pintado no rosto. A menina não viu, mas enquanto ela reencontrava seu pai e o abraçava agradecida, duas lágrimas se perdiam no vestidinho branco rendado da boneca Sarah.


*Tradução: Ao Mestre dos mestres imploro alma por alma, sangue por sangue, e terá em mim um servo eterno, para seu dispor sem hesitação. Para seus trabalhos do mal.






Título: A boneca Maldita. 
Gênero: Terror.
Conto: Natalino.
Autora: Giuliana Sperandio
Revisão: LL. Alves.
Editora: Independente. 
Capa oficial.



Leu? Gostou? Vai mesmo dar aquela boneca ou o boneco, de presente no natal? Risos.
Deixe nos comentários a sua opinião sobre esse conto macabro. A nossa Giu tem um talento obscuro para assombrar o natal. Muhahahaha.

Desejamos boas festas e até a próxima! 
Natal GBU - 2015.

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